QUAIS AS CAUSAS DA DESORDEM SOCIAL NO BRASIL?
Basicamente, na cultura adquirida na formação da nossa sociedade no período da colonização portuguesa e no sistema educacional precário oferecido nos cinco séculos da nossa história. A colonização do Brasil, ou seja, a formação do povo brasileiro se deu com pessoas desqualificadas nas letras, excluídas das decisões e alienadas do processo histórico: os criminosos e vagabundos degredados de Portugal, os negros camponeses trazidos da África e tornados escravos e os nativos “índios”. Os portugueses “nobres” formariam a classe dominante com sua elite intelectual e social influenciando a prevalência do domínio econômico e político nas mãos de poucos. Os privilegiados desse período e dos que se seguiram monopolizariam os bens da nação: as terras, o conhecimento, o poder político consolidando sua supremacia social. Aos demais seriam ofertadas as condições básicas de sobrevivência. Para estes, então, não havia o pensamento da ascensão social. O próprio sistema engendrado não facultava aos integrantes do povo tal perspectiva. Essa deletéria construção social atrasou a nação brasileira até aos dias atuais, prejudicando o nosso crescimento em todas as áreas. A globalização agora traz demandas que o país não consegue suprir, instâncias que não consegue acompanhar. Nem mesmo na qualificação profissional do cidadão da base social. A globalização econômica dissemina a cultura do consumismo e enseja o aumento da oferta desses bens. Daí vem também o aumento da criminalidade nos países em desenvolvimento que não possuem adequada estrutura educacional e profissionalizante para garantir uma remuneração satisfatória para os jovens e/ou para os seus provedores. Muitas vezes nem mesmo qualquer emprego. Estamos há décadas atrasados em áreas como educação escolar, capacitação profissional e adequada distribuição de renda.
HÁ OUTROS FATORES PARA OS ATUAIS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE?
Sim. O avanço das drogas e a corrupção. Não sabem os políticos e os gestores desonestos, ou não querem saber, o mal que fazem a toda a sociedade - incluindo eles e seus familiares - quando se apossam do dinheiro público ou desviam inescrupulosamente a sua função social. Os traficantes de drogas e os homens públicos desonestos são os atuais pais dos delinquentes. Eles os geram. O sistema perverso implantado no Brasil nos primeiros séculos fez dos mandatários pessoas ricas, cultas, poderosas e fez o povo pobre, inculto e alijado do poder político efetivo já que os cargos públicos – com militância corporativa - eram reservados aos componentes dos grupos que detinham o poder econômico. Todos os desonestos integrantes dos governos - nas três esferas – desde o século passado impediram que a injustiça social histórica fosse suplantada e as pessoas do povo prosperassem significativamente em todos os campos sociais.
QUAL O PAPEL DA POLÍCIA NA QUESTÃO DO AUMENTO DA CRIMINALIDADE?
Em decorrência da formação da sociedade separando-a em duas classes distintas, sendo a primeira a das posses e das prerrogativas e a segunda a do trabalho e dos deveres.Sendo esta “marginalizada” com relação àquela e sem perspectiva de ascensão, o heroi nacional passou a ser o “malandro” bem sucedido, aquele que conseguia “driblar” as barreiras impostas e, mesmo transgredindo regras, conseguia ascender economicamente. Num estado intermediário entre o pobre, trabalhador, poviléu e o rico, patrão, nobre. Com o passar do tempo, isso tomou outras proporções no sentimento nacional. Lembro-me que há pouco as pessoas celebravam com entusiasmo a figura de Virgulino Ferreira, o "Lampião” que enfrentou o “sistema nefasto”, admiravam o bandido carioca Lúcio Flávio “o passageiro da agonia” e vibravam com o poderio do narcotraficante colombiano Pablo Escobar. Na história do Brasil os únicos membros do povo que chegavam a integrar as esferas – baixas e medianas – do poder eram os que seguiam a carreira militar. Mas, só para servir ao poder, ao Estado manipulado pelo grupo seleto “de cima”, não ao povo. Preservando o statu quo ante. Quando os militares brasileiros assumiram a administração do Estado afastando o governo civil, passou a sofrer a ojeriza da população, já que o seu objetivo não foi o de legitimar o povo, emancipando-o no processo da supremacia democrática. O objetivo do golpe militar foi eminentemente conservador: visava garantir a continuação do regime historicamente estabelecido por uma casta social que temia os movimentos de base que prometiam “libertar” o povo da histórica tirania dos fomentadores da estratificação social. A inspiração para o golpe foi essencialmente ideológico, como se o Exército fosse um partido político. A farda, como símbolo visível da repressão política no imaginário popular, ficou marcado no inconsciente coletivo como instrumento opressivo usado para a cassação da liberdade social e de cerceamento da expressão pessoal. As Polícias sedimentam o trauma do arbítrio estatal. A farda das polícias militares é, de certa forma, repudiada por pessoas do povo. Os conflitos que assistimos entre policiais militares e membros da sociedade civil são um retrato dessa animosidade. A polícia é o braço armado do Estado, obedece às autoridades e não aos membros do povo.É, sobretudo, um instrumento de controle social, de intimidação e inibição dos atos irregulares dos cidadãos comuns, não só de criminosos. A farda, quase sempre, torna o seu usuário prepotente e isso incomoda o cidadão contribuinte e esclarecido. Também há um equívoco histórico na formação das polícias no Brasil. O policiamento ostensivo deve ser municipalizado, com o chefe de polícia local eleito pelo povo. A polícia ostensiva deve ser uma polícia de guarda municipal uniformizada para fazer rondas ostensivo-preventivas. Os municípios não precisam dessa grande cadeia de comando semelhante ao das forças armadas. Foi um equívoco fazer do policiamento ostensivo/preventivo urbano força auxiliar do EB. Já a Polícia Estadual abrigaria os departamentos especializados, de investigação, os grupos táticos e de operações. Tornando as atuais Polícia Militar e a Civil uma só polícia estadual. Com uma só cadeia de comando.
AS ATUAIS POLÍCIA MILITAR E CIVIL NÃO FAZEM BEM O SEU PAPEL?
De modo algum. Nos moldes atuais a PM tem uma estrutura pesada, arcaica, obsoleta e onerosa nos quartéis para colocar pequenas equipes nas ruas a fim de exercerem a atividade fim. Deve haver mais equipes nas ruas e muito menos da atual estrutura nas bases de direção, com seus gabinetes equipados, viaturas administrativas e auxiliares policiais fora da atividade fim. A Polícia Civil também foi mal planejada no Brasil. Delegado de Polícia não é um cargo da justiça para estar num gabinete e se restringir ao serviço de definição do tipo penal da ocorrência, ordenação de instauração de procedimento penal e elaboração de relatório do que já está contido nos autos e vai ser objeto de estudo do Promotor Público. Isso faz da PC uma instituição eminentemente cartorária, burocrática, “semiprocessual” quando deve ser efetivamente investigativa. A PC não é uma sucursal do poder judiciário. Ela é, na sua função, independente, autônoma. Na maioria das ocorrências a PM não consegue prender em flagrante o autor de delitos e depois a PC não consegue identificar boa parte deles. Para serem mais céleres e eficientes as delegacias precisam de várias equipes de investigação comandadas por inspetores nomeados por mérito, a fim de que incentive o agente a almejar o posto e para acompanhar a atuação deste nas ruas. Coisa que os delegados no modelo atual não têm como fazê-lo. O delegado pode ser apenas um gestor que coordena os setores de investigação, os escrivães e o pessoal do expediente (que deve ser funcionário comum, não policial recebendo alto salário para atuar fora das suas atribuições reais). Depois de enviado o procedimento investigativo ao poder judiciário deveria apenas o representante do MP tipificar o crime quando do oferecimento da denúncia, sem a polícia se imiscuir na esfera processual. Aqui em Sergipe a investigação só é efetiva no Denarc, no DHPP e no COPE. O Brasil ainda está emperrado nos trilhos da malfadada colonização portuguesa.
De CARLOS ALBERTO MAGALHÃES, funcionário público do estado de Sergipe e presidente do Centro de Estudos e Ação para o Progresso Humano e Social – CEAPHS, publicada no Jornal da Cidade em 29 de abril de 2015, caderno B, pag. 06.