sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Questões sobre a segurança pública



Presidente de Associação de Delegados de Polícia diz ainda que não há critérios para lotação de delegados

Por Joedson Telles


"Nenhuma polícia do mundo dará solução aos casos de violência provocados pelas desigualdades sociais e descaso com a situação dos menos favorecidos". O pensamento, tão lúcido quanto preocupante, é do presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado de Sergipe, o delegado de carreira Kássio Viana. Nesta entrevista, ao portal Universo Político.com ele comenta a ‘portaria da mordaça' imposta pela Superintendência da Polícia Civil, que feriu os direitos do delegado Paulo Márcio, mas foi desmoralizada na Justiça, aponta problemas na Segurança Pública, como as reformas em delegacias, que são feitas, segundo ele, sem planejamento e ainda a forma afrontosa como se dão algumas transferências de delegados de uma delegacia para outra. "Não há um planejamento estratégico nem critérios adequados e definidos para a lotação de delegados e demais servidores nas unidades da Polícia Civil. Tem muita gente contrariada com as transferências, mas, apesar de receberem nosso apoio, preferem o silêncio com receio de eventuais retaliações", diz. A entrevista:

Universo Político.com - Como o senhor acompanhou a decisão do Tribunal de Justiça, que concedeu liminar favorável ao delegado Paulo Márcio na polêmica questão da chamada "portaria da mordaça"?

Kássio Viana - Assim que ficamos sabendo dos procedimentos instaurados contra o colega e associado, Paulo Márcio, colocamos à sua disposição os nossos advogados, para que a situação fosse resolvida da forma mais rápida possível. Sabíamos que não havia qualquer razoabilidade jurídica nos citados procedimentos e, como as coisas não foram resolvidas no âmbito interno, tivemos que recorrer ao judiciário, e assim faremos toda vez que o direito de qualquer associado for violado. Vale lembrar, que existe um procedimento equivocado na Corregedoria de Polícia Civil contra uma colega que completará um ano e até a presente data, salvo notícias recentes, nada foi feito, além da portaria de instalação. Caso a colega queira uma certidão negativa de procedimento na Corregedoria, não será possível em razão da inércia do órgão.

U.P. - Com a decisão, o senhor espera um comportamento mais amistoso da Superintendência da Polícia Civil frente aos delegados de polícia?

K.V. - A relação da atual chefia da Polícia Civil como a Associação e Sindicato dos Delegados de Polícia é respeitosa. Entretanto, a nosso sentir, algumas das suas decisões têm causado uma vulnerabilidade da nossa carreira. Os procedimentos acima citados podem ser mencionados como exemplos. Felizmente, não é comum a imprensa sergipana divulgar qualquer notícia que desabone a conduta moral dos delegados de polícia do nosso Estado. Somos uma turma jovem, competente e honesta. Assim, para nós, delegados de polícia, ocupar a posição de investigado na Corregedoria é muito constrangedor, e isto é agravado quando não há razão nenhuma para o procedimento. Esperamos que a cúpula da Polícia Civil faça uma reflexão sobre os problemas relatados, para que a legislação pátria e direitos e garantias individuais sejam preservados.

U.P. - Alguns delegados reclamam da forma como são transferidos de delegacias. Como o senhor avalia a postura da Superintendência da PC neste aspecto?

K.V. - A forma em que os delegados e demais servidores são transferidos chega a ser afrontosa. Sabemos como gestores desta Polícia Civil que em determinados casos ajustes são necessários para que o trabalho flua de forma eficiente. Contudo, a quantidade de transferências, sobretudo no interior do Estado, revela que não há um planejamento estratégico nem critérios adequados e definidos para a lotação de delegados e demais servidores nas unidades da Polícia Civil. Por outro lado, para os que recordam, ainda que de forma superficial, dos ensinamentos de Direito Administrativo, a necessidade de fundamentação em todos os atos, sobretudo dos discricionários, é imprescindível para a preservação dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, eficiência, publicidade e moralidade. Como membro eleito do Conselho Superior de Polícia, fiz um requerimento para que todas as transferências fossem devidamente motivadas. A partir de então, as Coordenadorias das Delegacias do Interior e da Capital têm apresentado, a meu ver, fundamentações bastante precárias na tentativa de justificar as remoções. Vale lembrar, que no Estado da Bahia, bem como em outras unidades da federação, para que um delegado de polícia seja transferido de uma unidade para outra, o superior hierárquico deve fundamentar de forma objetiva e clara, elencando os motivos reais da remoção. Assim, várias transferências foram anuladas no poder judiciário daquele Estado em razão da ausência de fundamentação adequada. Aqui em Sergipe, a primeira vez que o Judiciário foi provocado, a remoção do agente de polícia foi anulada por falta de fundamentação. Tem muita gente contrariada com as transferências, mas, apesar de receberem nosso apoio, preferem o silêncio com receio de eventuais retaliações.

U.P. - Em via de regra, os sergipanos têm sentido a sensação de intranquilidade, sobretudo depois que o presidente do TRE sofreu um atentado, e o seu motorista passou a correr risco de morte no leito de um hospital. Como o senhor avalia a segurança oferecida aos sergipanos?

K.V. - Acredito que a Segurança Pública tem evoluído em nosso estado em vários aspectos. Ao chegar em Sergipe, no início do ano de 2003, fui trabalhar na cidade de Tobias Barreto, onde encontrei uma Delegacia totalmente desestruturada. Não tínhamos Internet, armas e viaturas apropriadas. Os delegados, agentes, escrivães e policiais militares tinham salários ruins. Hoje, contamos com uma frota de veículos novos, armamentos adequados, algumas unidades em melhores condições de trabalho, o salário dos delegados melhorou e, no atual governo, os salários dos agentes, escrivães e policiais militares passaram a ocupar a segunda colocação ranking dos salários das policias brasileiras. Entretanto, Segurança Pública não se faz apenas com a polícia. A responsabilidade é de todos. Precisamos fazer um trabalho conjunto com todas as Secretarias de Estado para evitarmos que os jovens sejam lançados no "mundo do crime". Cobrar da Secretaria de Segurança Pública a resolução dos problemas de violência é desconhecer totalmente o assunto. Da Polícia Civil, deve-se cobrar elucidação de crimes - o que fazemos com maestria. E da Polícia Militar um patrulhamento eficiente em todas as localidades. Todavia, nenhuma polícia do mundo dará solução aos casos de violência provocados pelas desigualdades sociais e descaso com a situação dos menos favorecidos. Polícia trata apenas do que não deu certo nas ações do Estado e da família. Quanto ao caso do atentado, aguardemos a finalização das investigações e não tenho dúvida de que será mais um crime elucidado pela nossa Polícia Civil com a eficiência e agilidade de sempre.

U.P. - O que pode ser feito para se tenha a criminalidade ao menos em níveis suportáveis?

K.V. - Acredito em investimento social em áreas de risco. A maioria das pessoas que entram na vida criminosa o faz de forma involuntária e são levados pelas precárias condições de vida e relações sociais experimentadas desde a infância. O combate intenso à criminalidade, com prisões, e até mortes de delinquentes por si só, não são capazes de reduzir os índices de violência, ao contrario, às vezes até aumentam. O Rio de Janeiro tem criado Unidade de Polícia Pacificadora e tem revelado uma eficiência interessante na instalação da paz. A ação policial enérgica é necessária em algumas situações, mas avaliar Segurança Pública apenas sob o ponto de vista das ações policiais é uma demonstração de cegueira. Precisamos melhorar as condições de vida dos bairros carentes, calçar e iluminar as ruas, investir em saneamento básico, incentivar a cultura, educação e o esporte. Isso já deu certo em Chicago e Bogotá, há de dar certo aqui também.

U.P. - Um policial que disputa as eleições deste ano sugeriu, no horário eleitoral da TV, que a polícia passe a ser recompensada pela apreensão de crack, e observou que isso acontece com armas. Na sua opinião, isso não pode passar à sociedade que há policial fazendo corpo mole, já que uma gratificação, em tese, aumentaria, a produção da polícia?

K.V. - Os agentes, escrivães e policiais militares ocupam o 2º lugar no ranking dos salários do Brasil. Ainda assim, precisam de estimulo para a apreensão de crack? Acho que todos os servidores públicos merecem salários dignos e condições de trabalho para o exercício das suas funções. Não somos mercenários, somos policiais. O salário ruim desestimula, mas tenho dúvidas de que o aumento salarial gere, necessariamente, o aumento da eficiência do trabalho.

U.P. - A classe de delegados de carreira tem hoje o valor que merece ou o próximo governador precisa resolver também este problema?

K.V. - Acho que, na Segurança Pública, o governo do Estado se concentrou em algumas carreiras nos últimos quatro anos e deve dar mais atenção a outras, nos próximos anos. Houve um melhoramento significativo na remuneração dos agentes, escrivães, Polícia Militar, gestores públicos, procuradores do Estado, defensores públicos dentre outros setores do Estado. Ressalte-se, que de todas as carreiras citadas, apenas os policiais trabalham no regime de 40 horas semanais. As demais trabalham 30 horas. No caso dos delegados, ocupávamos a 5ª colocação nacional, e hoje estamos na 16ª mais bem pagos do País. Acredito que o próximo governo vai ter a sensibilidade de reconhecer de forma concreta a nossa categoria, que tem demonstrado coragem, eficiência, honestidade e agilidade na elucidação dos crimes ocorridos em nosso Estado, e na prestação de um serviço público notável.

U.P. - As delegacias oferecem estrutura para o delegado, escrivão e agente trabalharem?

K.V. - Enfrentamos um problema sério com a falta e má distribuição dos agentes e escrivães de Polícia Civil. Temos cerca de 200 agentes e escrivães e 60 delegados de polícia tomando conta de todo o interior do Estado. A capital possui cerca de 80 delegados e mil agentes e escrivães. O concurso é urgente e a remessa de servidores ao interior é indispensável para que a Polícia Civil trabalhe adequadamente. Entretanto, apesar do número reduzido, o interior tem sofrido um esvaziamento paulatino, no que diz respeito aos agentes e escrivães.

U.P. - Há um número suficiente de policiais por plantão, ou as delegacias estão vulneráveis?

K.V. - A maioria das Delegacias de Polícia funciona de forma precária. Os servidores trabalham, na maioria das vezes, em locais que não oferecem o mínimo de condições higiênicas. As recentes reformas servem apenas de consolo. São feitas sem qualquer planejamento e não garantem a segurança e nem o conforto necessário aos servidores e a população que é atendida. Mas já é uma evolução. A título exemplificativo, durante o período de dois anos em que esteve no comando do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, a desembargadora Marilza Maynard construiu praticamente um fórum de primeira qualidade em cada cidade do interior de Sergipe. Quantas delegacias planejadas foram construídas nos últimos 10 anos? Creio que não passam de 10 unidades em todo Estado. Assim fica difícil, não é?

U.P. - A superlotação ainda é um problema registrado dentro das delegacias de Aracaju?

K.V. -A questão dos presos nas Delegacias de Polícia gera dois problemas graves. Primeiro, atrapalha o trabalho realizado pelos agentes, por ficarem atarefados com o serviço de carcereiro. Segundo, é um desrespeito aos direito dos presos que não podem ser submetidos ao tratamento que lhes são oferecidos nas celas das nossas delegacias. A prisão retira do preso apenas a liberdade. O Estado tem que garantir a sua dignidade. Enquanto em alguns Estados não existe mais presos em delegacias, Sergipe segue em descompasso com a evolução, ampliando suas celas em unidades de polícia investigativa. A Polícia Federal, por exemplo, seguindo a tendência moderna, não possui qualquer cela na unidade de Aracaju. A Secretaria de Justiça, por sua vez, faz de conta que o problema não é daquela pasta.

(Com foto do Presidente da Associação dos Delegados de Polícia de Sergipe, Delegado Kássio Viana.)

Da redação Universo Político.com

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Oficiais R-2 e o concurso público como norma moralizadora

Por Paulo Márcio

Ao reverso do que pensam alguns, uma análise não deve ser feita com o intuito de agradar ou desagradar quem quer que seja. É suficiente que ela seja honesta, vale dizer, que os fatos expostos guardem relação com a mais pura verdade, e que o juízo de valor expresso pelo autor esteja fundado em princípios éticos. O resto é perfumaria.

Em fevereiro deste ano, escrevi dois artigos aqui no Universo Político.com expondo meu ponto de vista sobre a situação dos chamados oficiais R-2: "Comando Geral da PM: inconstitucionalidade insanável e crime de responsabilidade" e "Marcelo Déda e a PM: da amizade à incompreensão".

Sustentei, àquela altura, que a situação dos R-2 não tinha amparo constitucional, não obstante o trânsito em julgado de uma ação judicial decidida em seu favor, que fora movida contra eles por um grupo de oficiais concursados (acadêmicos ou de carreira). Por igual, frisei que algumas lideranças da Polícia Militar desejavam apenas a saída do Comandante Geral, por elas considerado ilegítimo, e sua substituição por um oficial acadêmico. Por fim, alertei as autoridades do Estado sobre a possibilidade de ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal com o objetivo de excluir os R-2 dos quadros da PMSE.

Percebe-se claramente que não fui ouvido, ou, se o fui, o que disse não foi levado a sério. "É picuinha", disseram alguns; é "diversionismo", bradaram outros; "é tentativa de desestabilizar a SSP", exclamaram certos luminares da nossa imprensa. Diz um ditado que "quando você aponta uma estrela para um imbecil, ele olha para a ponta do seu dedo". Tudo bem: ainda há bilhões de estrelas no Universo. Sejamos pacientes.

Segundo o site do STF, no dia 02 de agosto deste ano a "Associação Nacional das Entidades Representativas de Praças Policiais e Bombeiros Militares (Anaspra) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4441) no Supremo Tribunal Federal para contestar a lei estadual que criou, no âmbito da Polícia Militar do estado de Sergipe, o Quadro Complementar de Oficiais Policiais Militares, composto por 27 oficiais temporários oriundos do Exército Brasileiro que ocupavam vaga no Quadro de Oficiais da Polícia Militar"

A Anaspra entende que a "Lei Ordinária Estadual nº 4377/2001 foi editada para regularizar uma situação inconstitucional desde o seu nascimento. A raiz da irregularidade, segundo a associação, estaria nos atos administrativos (portarias) do Comando Geral da PM de Sergipe datados de 1989 e 1990, que declararam os oficias R-2 (quadro de reserva) do Exército como aspirantes da Polícia Militar do estado, sem que fossem aprovados previamente em concurso público".

Significa dizer que se a ADI 4441 for julgada procedente (na verdade, o pedido formulado pela Asprasa), o artigo 1º da Lei nº 4377/2001 será declarado inconstitucional e, por conseguinte, os oficiais R-2 serão excluídos dos quadros da Polícia Militar de Sergipe, sendo que os efeitos do julgado, nesse caso, também se estenderiam aos oficiais R-2 que já se encontram na reserva remunerada.

A situação, do ponto de vista social, é extremamente delicada, para não dizer dramática, pois envolve pessoas que estão há mais de vinte anos trabalhando na corporação. Todavia, é forçoso salientar que, sob o aspecto jurídico, não vislumbro nenhuma saída, não imagino nada que lhes possa amparar diante da situação posta em juízo, dados os precedentes do STF no sentido de expungir do ordenamento jurídico todas as leis e atos normativos que violem a Constituição Federal.

No caso em tela, a norma constitucional que se busca resguardar é a que torna obrigatório o concurso público para ingresso nos cargos da Administração Pública. Trata-se de regra moralizadora, sob diversos aspectos: estabelece igualdade de condições entre os candidatos, permite a seleção dos mais aptos e qualificados, impede o nepotismo, o apadrinhamento político e concorre para tornar cada vez mais impessoal a Administração Pública.

Uma das maiores virtudes da regra moralizadora do concurso público está em que o servidor público concursado (civil ou militar), pelo fato de não dever a cabeça a ninguém, não está obrigado a perseguir subordinados para atender a caprichos de tiranetes eventualmente empoleirados nas chefias de governos, instituições e órgãos públicos. Se um servidor concursado faz o exato contrário, ou seja, se persegue, humilha, amordaça, coage, viola direitos de subordinados, é porque tem desvio de caráter, problemas psicológicos, desprezo pela democracia, ego e ambição despropositados.

A Anaspra, que é uma entidade de classe de âmbito nacional, pelo visto estava atenta aos fatos que vinham se desenrolando em Sergipe. Não passaram despercebidos ao seu presidente, o deputado federal Cabo Patrício, os sofrimento e humilhações por que passaram algumas lideranças da Polícia Militar Sergipana nos últimos meses. Marginalizados, alguns estão respondendo a um rosário de processos administrativos e judiciais. Penalizado por uma legislação draconiana e retrógrada, um dos gestores da Caixa Beneficente da PM chegou a ficar detido por cinco dias no QCG da Corporação.

Só mesmo um insano ou um nefelibata para não se dar conta de que em algum momento alguém chamaria o feito a ordem. De maneira que a Anaspra, que possui legitimidade para tanto, achou por bem bater às portas do Supremo Tribunal Federal. É aguardar para ver o que dirá, em definitivo, o Guardião da Constituição Federal.

Paulo Márcio é delegado de Polícia Civil, graduado em Direito (UFS), especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (UFS), especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (Fa-Se) e colunista do Universo Político.com. Contato: paulomarcioramos@oi.com.br
 
Fonte: http://www.universopolitico.com/