Sobre os que estão nas prisões sabemos que em outros tempos, em vários lugares, muitos deles estariam mortos sob aplicação da pena capital. Muitos acusados de crimes, culpados ou não, foram enforcados, crucificados, fuzilados, guilhotinados, lançados ao mar, açoitados até a morte, atravessados à espada ou pela lança. Penas nem sempre legítimas ou justas. Por causa disso a pena capital foi abolida no mundo e em algum local onde ainda existe sempre surgem notícias de condenações equivocadas. Então, nesses casos, a sociedade se fez ratificadora do Estado arbitrário, carrasco dos seus próprios cidadãos. E ainda assim não se repeliu o crime nessas localidades. E quem pode dar garantias de que sob a pena de prisão também não houve e não há pessoas punidas injustamente? Atualmente as penas aplicadas passaram teoricamente a ter o objetivo de ser educativas, ressocializadoras. Sergipe tem dado bons exemplos no trato dos internos nos presídios, mas ainda não alcançando os reclusos nas delegacias.
Como se ensinar ao contraventor, delinquente, marginal o respeito à lei para reger a sua conduta, se a sociedade em parte a despreza quando da aplicação dessa mesma lei ao acusado? Se, como ocorre a eles, os cidadãos buscarem a sua aplicação sob o aspecto da conveniência, não na sua totalidade? O verdadeiro cumprimento da lei, que impressiona e ensina, não é aquele que nos faz conceder ao outro o direito que nós não gostaríamos de dar? E nos faz cumprir deveres que não nos são gratos? O infrator precisa de exemplos contundentes da dignidade humana a embasar-lhe a superação de suas deficiências na busca de princípios éticos e morais norteadores de uma conduta digna. E isso só é possível ao se aplicar as penas legais ao infrator lhe concedendo efetivamente cada direito possível que a lei não lhe tolhe ou restringe como o acesso a colchão, lençol, toalha, produtos de higiene íntima, revista, livro, medicamentos, etc. geralmente levados pelos seus familiares. Além do acesso à instrução escolar e religiosa e às informações seculares.
Nesse ambiente inóspito as diferenças não são levadas em consideração. Junta-se o iniciante praticante de um crime de leve potencial ofensivo à população, com o reincidente praticante de crime hediondo, o infrator fortuito com o contumaz, o detento de sessenta anos com o de dezoito, o homossexual com o homofóbico. É essa noção de legalidade, justiça, civilidade, dignidade que a sociedade quer lhes ensinar, modelo do Estado de direito que pretendemos estabelecer? Deve haver o controle social efetivo sobre o sistema prisional aniquilante, com sua arcaica política de segregação do infrator das regras legais. Cidadão x lei. Infrator x sociedade. Tentemos fazer do sistema prisional uma ferramenta eficaz na resolução desse conflito histórico.
A ação do agente policial é diferente da ação do agente prisional, mesmo que sejam atribuições exercidas pela mesma pessoa, como acontece nas delegacias de Polícia. O primeiro tem que identificar, localizar, enfrentar, manietar, dominar o infrator e levá-lo à prisão. O segundo tem que mantê-lo na prisão contra a sua vontade. Mas como deverá ser esse regime prisional? Quais os objetivos válidos desse regime? O que deve ser alcançado de profícuo nesse regime para proveito da sociedade? Ainda são repetidos os equívocos do passado, de resultados inócuos na instrução ou de efeito mais nefasto na volta do infrator para a sociedade que não só o puniu, mas se vingou? Quais as verdadeiras funções do agente prisional em suas atribuições de agente do Estado impessoal e legalista? Eu, como agente da lei, por várias vezes, fui o prendedor de pessoas por algum ato delituoso, o seu opositor físico em algum embate surgido, o acusador na inquirição formal como seu condutor, o carcereiro na sua custódia, Mas também fui de forma diligente o seu socorrista nos casos de enfermidade e o seu protetor contra as investidas de parte contrária, como deveres do meu ofício. E por que isso? Porque a pessoa sob a custódia do Estado tem deveres e direitos assegurados pela lei que rege esse Estado, lei que lhe faculta o poder-dever de custodiar definitivamente ou cautelarmente e lhe atribui responsabilidades.
Percebemos então que a função estatal vai além de excluir da vida social o ente extraviado dos bons princípios que fazem saudável o corpo social. Não temos autorização legal para excluir o infrator do amplo alcance da lei, nem da humanidade da qual é constituído. Deve ser a lei o que repreende e instrui, priva de funções e imprime noções – ainda que por caminho inverso - de civilidade, pune e ampara, exclui para enfatizar e preservar os valores sociais. Excluir nesse sentido não é anular indefinidamente. É afastar para ser consertado, restaurado, impedido de prosseguir no seu feito danoso e multiplicador de danos. Mais que apenas razoavelmente inibir, coibir o ato criminoso, anti-social devemos estabelecer modelos que façam os errantes – principalmente os mais jovens e as futuras gerações - ver a lei como a maior aliada que temos para alicerçar a plena cidadania, conquistar a melhor qualidade de vida. Enxergar que nos direitos dos outros estão assegurados os direitos de todos, portanto os nossos.
É deprimente a visão das carceragens como deprimente foi a visão de cenários de crimes que foram perpetrados por vários dos que estão nelas. No entanto o Estado não deve se igualar aos infratores na produção de ambientes, estruturas e esquemas deletérios como o são no submundo do crime. Um sistema prisional justo para ensinar ao preso a justiça da sua prisão. Torná-lo um alvo da aplicação diligente, eficiente e contundente da lei e ainda assim um seu beneficiário, não um desvalido dela. O Estado como aquele pai que disciplina, pune e sustenta o filho nas suas necessidades. Sem paixões, o Estado é impessoal. Como não foi na ditadura militar e em outros regimes de exceção.
No Brasil se prende por menos tempo para se compensar a omissão do Estado, ou das autoridades que o compõe, no tratamento adequado, produtivo - sob os aspectos a que se propõe - ao interno prisional. Concedemos um terço, remição, regime semi aberto e aberto, indulto, etc. Primeiro se morde muito para depois soprar. Por isso existe a prisão especial para os privilegiados, porque é realmente necessário no contexto atual ao menos a sua separação, e trinta anos é a pena máxima adotada para quem tenha sido descoberto praticando uma lista interminável de crimes, mesmo os hediondos. Faltam elementos básicos na ressocialização do interno prisional: educação fundamental, curso profissionalizante, palestras edificantes e motivadoras nos depósitos dos excluídos repreensíveis e estigmatizados, sedados moral e civicamente, esperando o dia em que a sociedade vitimada lhes dará o passaporte para retornar ao seu convívio, pior do que saíram. Levados a se reconhecerem eternamente como deformados, párias. Sentenciados ao fracasso total e definitivo, mesmo os bem jovens. Nascidos com baixa consciência moral e espiritual e depois desumanizados, tornados irremediáveis pelo sistema. Quando muitos poderiam ser reformados.
Por tudo isso exposto consideramos necessário uma reconsideração na aplicação da política estatal de custódia dos presos brasileiros, no interesse final de proteger a sociedade de reincidências delituosas dos que também estão sob a égide da lei, sob a responsabilidade objetiva do Estado.
Alberto Magalhães
Presidente do Centro de Estudos e Ação para o Progresso Humano e Social – CEAPHS
Servidor Público Estadual e Jornalista (DRT/SE 1268)