terça-feira, 14 de agosto de 2012

O homem medíocre


É alinhado ao pensamento social preponderante, escudeiro das opiniões dominantes. Inimigo dos divergentes... é assim porque vê os ideais como uma quimera dos homens românticos, delirantes ou sem o juízo perfeito.

Está claro que nenhum homem é excepcional em tudo, sequer na maioria das coisas que se propõe a fazer, no entanto parte da humanidade tende a ser comum demais, se inserindo na mediocridade. E o homem medíocre é, de alguma forma, nocivo à humanidade, quanto ao aprimoramento desta. Por outro lado o homem excepcional não o é simplesmente no que faz ou propõe a que seja feito, mas na sua essência desenvolvedora de pujante e justificada inquietação com as coisas estabelecidas, ele é naturalmente idealista. Esse é o pensamento de José Ingenieros (1887-1925), na sua obra O Homem Medíocre. Nesse ensaio filosófico Ingenieros retrata o homem comum, que representa parte da humanidade, como alguém que tem uma arraigada mesquinharia no pensar e no agir. Ingenieros nos faz entender que o homem comum tem uma lógica pertinente aos seus interesses pragmáticos e prementes, ignorando completamente as outras áreas complementares à sua relevante existência, à supremacia de seu pensamento original.


Na sua concepção o homem idealista honra a humanidade quando na sua irresignação com o que se pratica e se conhece e com a sua busca por mais outros conhecimentos e caminhos. Já o homem de espírito medíocre trata a humanidade como um parasita social, que se alimenta dos restos deixados, num ethos distorcido, estagnador. Para Ingenieros o medíocre é imitativo, afeito aos costumes retrógrados, servil ao sistema vigente, indiferente às mudanças de paradigmas, reacionário aos idealistas. Não gostam de destoar da massa e por ela aprovam só o que é de senso comum, mesmo que não tenha sentido ou que seja confrontado com a verdade, verdade que encampa o pensamento, a liberdade e a justiça plenos. É um Maria-vai-com-as-outras-vulgares. Despreza o voar nos ventos da liberdade, preferindo permanecer no limo pegajoso da continuidade e da hipocrisia, por fazer das conveniências pessoais imediatas sua prioridade absoluta.


Assim Ingenieros descreve o medíocre: “Ignoram o sonho do sábio e a paixão do apóstolo/São incapazes de virtude; ou não a concebem, ou ela lhes exige demasiado esforço/incapazes de desencadear indignação, diante de uma ofensa/Não vivem a sua vida para si mesmos, senão para o fantasma que projetam na opinião dos seus semelhantes/Trocam a sua honra por uma prebenda/Poder-se-ia dizer que mancham a reputação alheia para diminuir o contraste com a sua própria/Seu cérebro e seu coração estão entorpecidos igualmente. Como polos de um imã gasto.” Ele não é um gênio, mas está longe de ser um imbecil. Ele é apenas um ser acomodado às suas conveniências pessoais, à sua individualidade. Ele não pensa no todo, e ao se adequar ao coletivo o faz para usar a relação com a coletividade apenas para proveito próprio. Limita-se ao progresso material. É averso a heróis reais e os despreza ou reprime por despeito ou inveja, já que por mais que procure chegar ao seu nível espiritual e desprendimento pessoal, nunca o alcança. O seu preconceito é herança de conceitos engessados pelas mentes obtusas. São seres sem nome, sem paixão, sem virtudes. A igualdade é a sua meta, não a liberdade. Mas a igualdade moral, intelectual, espiritual dos medíocres. É alinhado ao pensamento social preponderante, escudeiro das opiniões dominantes. Inimigo dos divergentes.


O homem medíocre é assim porque vê os ideais como uma quimera dos homens românticos, delirantes ou sem o juízo perfeito. Para Ingenieros o ideal não pode ser definido em rótulos, em conceitos humanos porque é algo transcendente e permanentemente evolutivo para a humanidade. O verdadeiro idealista está sempre à busca de algo que ainda “vem a ser”, inspirado sempre a partir de “uma realidade imperfeita”. Ingenieros nos ensina que a concepção do homem excepcional e do medíocre são dois mundos morais distintos e antagônicos: “Seres desiguais não podem pensar da mesma forma. Sempre haverá evidente contraste entre o servilismo e a dignidade, a torpeza e o gênio, a hipocrisia e a virtude. A imaginação dará a alguns o impulso original até a perfeição; a imitação organizará em outros, os hábitos coletivos. Sempre haverá, forçosamente, idealistas e medíocres”. São estes, nas suas próprias palavras, homens e sombras. Na sua visão os idealistas não suportam a ideia de serem tratados como iguais aos meramente pragmáticos, nivelando-os aos medíocres. No entanto Ingenieros insinua que ao final esses dois grupos se complementam na evolução da espécie humana, mesmo que penosamente: “O progresso humano é o resultado desse contraste entre a massa inerte e a energia propulsora”. A tábua firme do conservadorismo é a base sólida para a incursão dos progressistas, matéria prima para os excepcionais, referência para os gênios.


Alberto Magalhães é servidor público estadual/SE 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O idealismo político morreu?

Os regimes totalitários de esquerda e de direita denominados comunista, socialista, fascista, nazista, suprimiram um dos três atributos essenciais do ser humano: a liberdade. Juntamente com a vida e a saúde, o livre pensar e agir possibilita a plenitude do ser significando essa tríade o valor humano primordial: vida, saúde e liberdade do corpo e da mente. A liberdade inclui o pensamento autônomo, a expressão livre deste e a legitimidade das ações supervenientes. As condições cultural, social e econômica determinam a forma de se usufruir esses atributos, sendo essas formas de usufruto elementos complementares aos três recursos primeiros da humanidade. Esses elementos secundários formam os fatores fundamentais da existência humana que subsidiam a ação dos elementos essenciais primeiros, mas nunca servirão para suplantar a importância destes. O ser humano sempre busca mais para preencher todas as suas carências, que são muitas e em áreas diversas, por isso se enreda em teias que, muitas das vezes, são difíceis de livrarem-se depois. Seja no campo afetivo, social, político, ideológico, religioso.

Os teóricos das doutrinas políticas usaram o pensamento ideológico da igualdade (no uso de bens materiais) para, por meio da manipulação das massas, chegar ao poder e estabelecer as suas ideias. Ocorre que essas doutrinas que embasaram os regimes totalitários não conseguiram unir os valores de igualdade e liberdade. Reprimiram as liberdades de expressão, política, cultural e incentivaram a alienação religiosa. E economicamente não obtiveram êxito, vez que deixaram de ter acesso aos países do bloco politicamente adversário. A direita reacionária em todo o mundo difundiu a ideia de que os regimes de esquerda eram a personificação do mal, contrários à caridade e inimigos de Deus. Ocorre que os governos totalitários da extrema direita também eram repressores da liberdade e inimigos da igualdade, legando ao Brasil maldita herança de atraso educacional, cultural, institucional, político, permeado de corrupção e promiscuidade do poder público com o empresariado, este último explorado pelos impostos extorsivos do governo, para pagar a malversação do dinheiro público. Ao final quem paga a conta maior são os trabalhadores.

As democracias têm sempre optado pelo enfraquecimento do parlamento – o mais legítimo representante dos cidadãos -, fortalecendo as funções de Estado e assegurando vasto poder ao governante numa cópia má disfarçada do totalitarismo que predominava nos regimes de esquerda e de direita, descritos nas primeiras linhas acima. E são governos ditos “democráticos”, mas sempre baseados na centralização de decisões políticas e administrativas, na manipulação das decisões político partidárias, na ingerência legislativa, no conservadorismo das políticas públicas fundamentais, no empecilho às mudanças na conjuntura fiscal, tributária, administrativa, política, etc.

No Brasil, o parlamento se desmoralizou desde quando passou a aceitar as benesses do executivo aceitando ser apenas um colegiado que subscreve o que é do interesse do governo e dos grupos financeiros poderosos, perpetuando o domínio econômico e a prosperidade financeira nas mãos de poucos. Os partidos políticos, agremiações sem efetiva definição política, não contam mais com a credibilidade e o engajamento dos eleitores, pois não há correntes sérias adeptas de vertente programática conservadora ou progressista. Os partidos são organicamente fracos, fantoches dos interesses dos seus “donos”. Hoje se vota em candidatos que apresentam uma trajetória de aparente coerência com o seu discurso político pessoal – o político é quem dá visibilidade ao partido e não o contrário -, e nos candidatos que compram votos das lideranças políticas menores, inseridos na lista de ccs nos gabinetes políticos e padrinhos de comunidades carentes.

Então qual idealismo impulsiona o povo, as massas atualmente? A utópica social democracia, que ingenuamente “prega uma gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, geralmente tendo em meta uma sociedade socialista” (www.wikipedia.org) ou o neoliberalismo que impõe a absoluta liberdade do mercado praticamente anulando o Estado regulador?

Em verdade no imaginário popular essas questões são mais uma superficial corrente do pensamento coletivo que ideologia no seu sentido amplo. As pessoas comuns, que são a maioria do povo, não atentam para essas peculiaridades das teorias políticas. Elas acompanhavam o discurso da direita e da esquerda, fazendo opções, em virtude da polarização das ideias, o que facilitava a compreensão das pregações de ambos os grupos - com seus sofismas e promessas vazias -, vez que se excluíam mutuamente numa dualidade útil aos integrantes dos grupos dominantes que usufruíam o poder.

A ideologia do bem comum parece não existir mais, a não ser no discurso dos ideólogos pretendentes ao poder. As sociedades foram usadas, exploradas, enganadas e depois de tantas repressões, mortes desnecessárias, gastos com armas de guerra, crises na economia e diante do descrédito das ideologias humanas de redenção social do homem agora se voltam à busca das obras estruturantes, dos serviços públicos de qualidade, dos projetos de administração pública de excelência, da educação em todos os níveis, da moralidade no serviço público... Sem os discursos populistas e demagógicos, voltamos ao patamar inicial da civilização.

Alberto Magalhães

quarta-feira, 30 de maio de 2012

A criminalidade na mídia

A questão da criminalidade no Brasil é interessante. Nas manchetes policiais aparece: “Polícia prende quadrilha de assaltantes” e no dia seguinte: “Quadrilha assalta mansão de desembargador”. No outro dia: “Bandido é morto e outro preso em tentativa de assalto”, já no outro dia: “Policial é morto por bandidos fortemente armados”. Iniciou-se a disputa pelos quinze minutos de fama? Porque o que vemos é uma atividade das duas forças (a pública e a marginal) aparecendo na mídia, em forma de ping pong: toma lá, dá cá. Quando vemos e ouvimos sobre prisões e confrontos entre policiais e bandidos, já não sentimos mais conforto no Estado protetor, mas passamos a notar que os bandidos passaram a se impor e mostrar força e destemor. Ora se há grandes prisões e grandes combates quase todos os dias é porque há grandes bandidos e fenomenal resistência às políticas (?) de segurança pública ou ao que há de mero esboço nesse sentido. Há Estado brasileiro que se a população fosse escolher um símbolo para a SSP do seu Estado, com certeza escolheria um simpático espantalho para representá-la, (o que, ainda, não é o caso de Sergipe), mediante as condições gerais em que as polícias se encontram.
Alberto magalhães

segunda-feira, 19 de março de 2012

À Valdir Freitas (In memoriam)

Hoje está fazendo 14 anos que um homem foi abatido a tiros por causa de sua atividade profissional. Porque a sua atuação no seu nobre ofício era séria, honesta e divina: se opunha legalmente ao mal praticado contra os cidadãos em certa localidade. O seu nome: Valdir de Freitas Dantas. Sua profissão: Promotor de Justiça. Seu local de trabalho: Cedro de São João, Sergipe. Herói que venceu as batalhas das barreiras sociais, econômicas, políticas e assumiu um cargo que já foi reservado para os privilegiados socialmente. Mas ele era privilegiado naturalmente: tinha um espírito grande, uma alma boa. A ponto de não acreditar que iria ser alvo de um atentado criminoso, vil, covarde daquela envergadura. Achava talvez que estava lidando apenas com transgressores da lei, não com ímpios assumidos. A autoridade é mandamento de Deus e os que nela atuam devem ser respeitados e preservados do mal que combatem.

Não só o homem Valdir foi atingido nesse vil atentado, mas o valor da ética, da honestidade, da moralidade, da honra, da justiça que ele seguia e que são os fundamentos da lei, alvo de defesa da instituição Ministério Público.

Durma em paz professor Valdir, a sua maior lição não foi na sala de aula, mas na sua vida, que se mesclou com os princípios que você amou e nos ensinou e que na sua morte ficaram gravados em seu nome, eternizado por esse ato hediondo. Sua morte não foi vã, trouxe à tona a visão do perigo da intolerância dos incomuns. O libelo contra eles está nas mãos do altíssimo, o juiz supremo.

19 de março de 2012

Alberto Magalhães

Servidor público estadual e jornalista