quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Oficiais R-2 e o concurso público como norma moralizadora

Por Paulo Márcio

Ao reverso do que pensam alguns, uma análise não deve ser feita com o intuito de agradar ou desagradar quem quer que seja. É suficiente que ela seja honesta, vale dizer, que os fatos expostos guardem relação com a mais pura verdade, e que o juízo de valor expresso pelo autor esteja fundado em princípios éticos. O resto é perfumaria.

Em fevereiro deste ano, escrevi dois artigos aqui no Universo Político.com expondo meu ponto de vista sobre a situação dos chamados oficiais R-2: "Comando Geral da PM: inconstitucionalidade insanável e crime de responsabilidade" e "Marcelo Déda e a PM: da amizade à incompreensão".

Sustentei, àquela altura, que a situação dos R-2 não tinha amparo constitucional, não obstante o trânsito em julgado de uma ação judicial decidida em seu favor, que fora movida contra eles por um grupo de oficiais concursados (acadêmicos ou de carreira). Por igual, frisei que algumas lideranças da Polícia Militar desejavam apenas a saída do Comandante Geral, por elas considerado ilegítimo, e sua substituição por um oficial acadêmico. Por fim, alertei as autoridades do Estado sobre a possibilidade de ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal com o objetivo de excluir os R-2 dos quadros da PMSE.

Percebe-se claramente que não fui ouvido, ou, se o fui, o que disse não foi levado a sério. "É picuinha", disseram alguns; é "diversionismo", bradaram outros; "é tentativa de desestabilizar a SSP", exclamaram certos luminares da nossa imprensa. Diz um ditado que "quando você aponta uma estrela para um imbecil, ele olha para a ponta do seu dedo". Tudo bem: ainda há bilhões de estrelas no Universo. Sejamos pacientes.

Segundo o site do STF, no dia 02 de agosto deste ano a "Associação Nacional das Entidades Representativas de Praças Policiais e Bombeiros Militares (Anaspra) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4441) no Supremo Tribunal Federal para contestar a lei estadual que criou, no âmbito da Polícia Militar do estado de Sergipe, o Quadro Complementar de Oficiais Policiais Militares, composto por 27 oficiais temporários oriundos do Exército Brasileiro que ocupavam vaga no Quadro de Oficiais da Polícia Militar"

A Anaspra entende que a "Lei Ordinária Estadual nº 4377/2001 foi editada para regularizar uma situação inconstitucional desde o seu nascimento. A raiz da irregularidade, segundo a associação, estaria nos atos administrativos (portarias) do Comando Geral da PM de Sergipe datados de 1989 e 1990, que declararam os oficias R-2 (quadro de reserva) do Exército como aspirantes da Polícia Militar do estado, sem que fossem aprovados previamente em concurso público".

Significa dizer que se a ADI 4441 for julgada procedente (na verdade, o pedido formulado pela Asprasa), o artigo 1º da Lei nº 4377/2001 será declarado inconstitucional e, por conseguinte, os oficiais R-2 serão excluídos dos quadros da Polícia Militar de Sergipe, sendo que os efeitos do julgado, nesse caso, também se estenderiam aos oficiais R-2 que já se encontram na reserva remunerada.

A situação, do ponto de vista social, é extremamente delicada, para não dizer dramática, pois envolve pessoas que estão há mais de vinte anos trabalhando na corporação. Todavia, é forçoso salientar que, sob o aspecto jurídico, não vislumbro nenhuma saída, não imagino nada que lhes possa amparar diante da situação posta em juízo, dados os precedentes do STF no sentido de expungir do ordenamento jurídico todas as leis e atos normativos que violem a Constituição Federal.

No caso em tela, a norma constitucional que se busca resguardar é a que torna obrigatório o concurso público para ingresso nos cargos da Administração Pública. Trata-se de regra moralizadora, sob diversos aspectos: estabelece igualdade de condições entre os candidatos, permite a seleção dos mais aptos e qualificados, impede o nepotismo, o apadrinhamento político e concorre para tornar cada vez mais impessoal a Administração Pública.

Uma das maiores virtudes da regra moralizadora do concurso público está em que o servidor público concursado (civil ou militar), pelo fato de não dever a cabeça a ninguém, não está obrigado a perseguir subordinados para atender a caprichos de tiranetes eventualmente empoleirados nas chefias de governos, instituições e órgãos públicos. Se um servidor concursado faz o exato contrário, ou seja, se persegue, humilha, amordaça, coage, viola direitos de subordinados, é porque tem desvio de caráter, problemas psicológicos, desprezo pela democracia, ego e ambição despropositados.

A Anaspra, que é uma entidade de classe de âmbito nacional, pelo visto estava atenta aos fatos que vinham se desenrolando em Sergipe. Não passaram despercebidos ao seu presidente, o deputado federal Cabo Patrício, os sofrimento e humilhações por que passaram algumas lideranças da Polícia Militar Sergipana nos últimos meses. Marginalizados, alguns estão respondendo a um rosário de processos administrativos e judiciais. Penalizado por uma legislação draconiana e retrógrada, um dos gestores da Caixa Beneficente da PM chegou a ficar detido por cinco dias no QCG da Corporação.

Só mesmo um insano ou um nefelibata para não se dar conta de que em algum momento alguém chamaria o feito a ordem. De maneira que a Anaspra, que possui legitimidade para tanto, achou por bem bater às portas do Supremo Tribunal Federal. É aguardar para ver o que dirá, em definitivo, o Guardião da Constituição Federal.

Paulo Márcio é delegado de Polícia Civil, graduado em Direito (UFS), especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (UFS), especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (Fa-Se) e colunista do Universo Político.com. Contato: paulomarcioramos@oi.com.br
 
Fonte: http://www.universopolitico.com/

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